O distanciamento social foi uma das recomendações não só do Ministério da Saúde do Brasil, mas também de autoridades sanitárias do mundo inteiro para brecar o avanço do novo coronavírus (SARS-CoV-2) pelo mundo e, assim, prevenir um possível colapso dos sistemas de saúde e reduzir o número de mortes por COVID-19, a doença causada pelo vírus.
A medida é amplamente defendida por profissionais de saúde e governos como uma estratégia de prevenção e gerenciamento da crise, mas ainda é desdenhada por algumas pessoas, que defendem que a situação não é tão grave quanto parece e que a quarentena seria um exagero e não compensaria em termos econômicos. Até esta quarta-feira, 25 de março, o novo coronavírus já matou quase 20 mil pessoas no mundo (19.793) e infectou mais de 426 mil.
Segundo especialistas, o isolamento social não só é crucial para conter os estragos causados pelo vírus, como deve ser feito por toda a população, e não apenas os idosos, grupo mais suscetível a desenvolver a forma grave da doença e com maior risco de morte.
Isolamento social é amplamente defendido
De acordo com o infectologista João Prats, da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, o tamanho do grupo de pessoas doentes e o de pessoas suscetíveis à doença é o que determina a dimensão de uma epidemia – e, no caso do novo coronavírus, o fato de o vírus ter se espalhado por todos os continentes foi o que o classificou como um cenário de pandemia, ou seja, uma epidemia de escala global.
Dessa maneira, Prats explica que o chamado distanciamento social, uma forma de isolamento, é o método mais eficaz para evitar que a transmissão do vírus SARS-CoV-2 seja cada vez maior, como tem ocorrido, e também para que o uso do sistema de saúde seja sustentável.
A Sociedade Brasileira de Infectologia reforça que o distanciamento, do ponto de vista científico-epidemiológico, é fundamental para conter a disseminação do vírus, que já está em sua fase de transmissão comunitária no Brasil.
“A ideia é distanciar pessoa doentes das que estão suscetíveis ao vírus, especialmente as de maior risco. Quando fazemos isso, a epidemia não vai deixar de circular completamente, porque é impossível zerar as interações. Mas o número de casos vai ser menor, assim como o pico, e não sobrecarregamos o nosso sistema de saúde”, diz Prats.
Segundo o médico, a ideia do isolamento é limitar o acesso à população a espaços de entretenimento e lugares que tenham um número grande de pessoas, como lojas. Por isso a restrição recomenda que pessoas não frequentem bares, restaurantes, shopping centers, parques, praias ou mesmo a casa de amigos e escritórios de trabalho – inclusive, a adoção de home office é encorajada neste período.
Por que é eficiente?
Segundo Prats, a taxa de transmissão de um vírus é um número usado para mensurar as pessoas para as quais um paciente infectado pode transmitir a doença e, ainda que a do novo coronavírus fique em torno de 2,7 (isto é, cada pessoa infectada transmite o vírus para, aproximadamente, outras três), conforme ela cresce, o contágio se intensifica.
“Nessa fase da transmissão exponencial, quando começa a ter transmissão comunitária, esse número pode chegar a 5, 7”, esclarece o infectologista da BP.
Um vídeo publicado pela Universidade de São Paulo (USP), recentemente, explica de forma bem didática como o isolamento é eficaz no combate à pandemia. Nele, bolinhas laranjas representam as pessoas doentes, enquanto bolinhas cinzas representam pessoas saudáveis e recuperadas. O lado esquerdo do vídeo retrata o que acontece quando as pessoas continuam circulando intensamente e o direito, quando há isolamento.
Isolar só idosos contra o coronavírus: por que não funciona
Os idosos, grupo de pessoas com idade acima de 60 anos, representam, hoje, um dos grupos mais vulneráveis ao SARS-CoV-2, já que eles apresentam maior risco de desenvolver complicações e morrer em decorrência do coronavírus, que pode causar insuficiência respiratória e renal.
Assim, uma das propostas discutidas atualmente é isolar apenas este grupo, o chamado isolamento vertical. De acordo com Claudio Roberto Gonsalez, infectologista do Insituto Emilio Ribas, a estratégia não é eficaz.
Não é possível isolar apenas os idosos durante uma pandemia para preveni-los contra a doença porque eles dependem de serviços e do mínimo contato com pessoas não isoladas para se manterem – por exemplo, para receber itens de mercado e farmácia, isso sem falar de quem necessita de cuidadores. Desta forma, se o resto da população continua circulando, o vírus continua infectando as pessoas – inclusive os idosos por meio destas interações inevitáveis -, e a pandemia se mantém.
“O isolamento apenas de idosos não é possível para COVID-19 porque você tem jovens saindo de casa. Isso sem falar de outras questões, como a depressões e questões financeiras”, diz o infectologista do Emílio Ribas.
Idosos não são os únicos que correm risco com COVID-19
Além de não ser um método eficaz, o isolamento apenas de idosos passa a impressão de que o grupo é o único que corre risco diante da COVID-19, o que não é verdade.
De acordo com dados do Ministério da Saúde do último dia 17 de março, a idade média de pacientes com COVID-19 é 42 anos. Pacientes abaixo dos 40 anos representam 50% dos casos; entre 40 e 49 anos, 17%; entre 50 e 59 anos, 16%; entre 60 e 69 anos, 12%; e acima de 69 anos, 4%. Idade não informada representa 2%.
No Brasil, já há casos de mortes tanto de pessoas com menos de 60 anos. Em São Paulo, a morte de um rapaz de 33 anos foi confirmada no último dia 23 de março pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Ele apresentava comorbidades, um fator de risco para pacientes com COVID-19.
A OMS também já notificou globalmente a ocorrência de mortes de crianças por COVID-19.
Na maioria dos casos, jovens e crianças apresentam a versão “mais leve” da doença, com febre, tosse, dor abdominal. Porém, isso não dispensa atenção para a doença, especialmente para crianças, que não conseguem referir os sintomas muito bem e, por isso, poder ter um quadro clínico diferente dos adultos, diz a pediatra Patrícia Rezende, do grupo Prontobaby.
“Os casos em crianças costumam ser mais leves, mas isso não quer dizer que a gente não tenha também casos graves. Em porcentagem, parece uma coisa pequena, mas quando olhamos números absolutos, considerando o tamanho do Brasil, é muita criança ficando doente. Claro que comorbidades são fatores de risco para quadros graves, mas não quer dizer que crianças sem comorbidades não vão ter casos graves”, diz Patrícia, que orienta os pais a irem ao hospital assim que a criança apresentar esforço pra respirar e falta de ar.
Sobreviver ao coronavírus não significa não ter consequências (necessariamente)
Outro fator relevante é que, mesmo que um paciente se recupere da COVID-19, isso não significa que ele não sofrerá consequências do contágio. Ainda que preliminares, alguns estudos já observam o desenvolvimento de fibrose pulmonar em pessoas que venceram o coronavírus, sequela que compromete a capacidade respiratória do sujeito. Há ainda o risco de danos neurológicos pelos problemas respiratórios e falta de oxigenação.
Ainda é cedo para determinar a extensão, gravidade e duração de tais complicações, mas elas devem ser levadas em consideração diante da possibilidade de expor a população ao vírus.
Colapso do sistema de saúde
Todos esses cuidados com o mecanismo de transmissão do vírus são necessários para que o sistema de saúde consiga enfrentar o chamado “colapso”, o que, segundo o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, deve ocorrer no final de abril no Brasil.
De acordo com Mandetta, o termo não é usado para definir sistemas caóticos, como passa a impressão. Um sistema em colapso é assim definido quando as demandas por assistência não são suprimidas pelas unidades de saúde (tanto da rede privada quanto da rede pública), já que não importa se o paciente possui alto poder aquisitivo, bons planos de saúde, ordem judicial para ser atendido, entre outros recursos: ele não conseguirá ser devidamente atendido.
Assim, se o número de pessoas infectadas pelo vírus for acima da capacidade do sistema de saúde e não houver espaço, equipamento e funcionários suficientes para dar conta da demanda, casos tratáveis podem se tornar fatais, e pessoas (incluindo idosos) que necessitam de cuidados médicos por outros motivos que não o coronavírus tampouco terão atendimento – conforme tem sido observado na Itália.
Sintomas leves ou assintomáticos também transmitem COVID-19
Vale lembrar que pessoas com sintomas leves e assintomáticas representam uma contribuição muito grande para a disseminação do novo coronavírus e, portanto, incentivar a circulação de pessoas representa uma ameaça invisível à situação.
Segundo estudo publicado na plataforma “Science”, a partir de dados da epidemia chinesa, 79% dos casos documentados tiveram origem em pacientes não notificados. Apesar de essas pessoas provavelmente terem uma capacidade de contágio menor do que pacientes com sintomas expressivos, elas representam 86% dos casos de transmissão.
Segundo Prats, o fato de muitas pessoas não perceberem que estão doentes e não se resguardarem faz com que o vírus circule entre familiares, colegas de trabalho, amigos e, posteriormente, passe para pessoas que estão fora de seus círculos sociais, inclusive os grupos de maior risco.
Fonte: Vix