Três cateteres rompidos em duas semanas ligaram o sinal de alerta no Hospital Real D’Or, em Padre Miguel, na Zona Oeste do Rio. A direção da unidade decidiu abrir uma sindicância no fim de janeiro para apurar os casos, e descobriu que uma enfermeira estaria tentando matar recém-nascidos na Unidade de Tratamento Intensiva (UTI) Neonatal.Simone Anjos dos Santos, de 41 anos, foi presa anteontem dentro de casa, em Santa Cruz, também na Zona Oeste, e indiciada pela Polícia Civil por três tentativas de homicídio qualificado, já que os bebês não tinham a possibilidade de se defender.
Para Erick Petry, médico psiquiatra da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, o caso da enfermeira Simone dos Anjos pode ser de Síndrome de Münchhausen por procuração:
— Quando vemos um crime deste tipo, em tese podemos pensar em duas opções: em primeiro lugar, penso numa Síndrome de Münchhausen por procuração. Acontece com mães, mas também é comum em profissionais de saúde, normalmente mulheres. As mães produzem ou simulam nos filhos sintomas de doenças para chamar a atenção para elas mesmas. Nos profissionais de saúde, pode acontecer também, sobretudo com enfermeiras. Houve casos de enfermeiras que assassinaram bebês e crianças… Teoricamente, é isso: ela queria produzir um sintoma grave ou quase morte numa criança, já que ela é a pessoa que vai cuidar. Aí ela estreitaria esse laço de cuidadora. Na segunda hipótese, seria caso de perversidade: uma psicopata, serial killer, que teria o sadismo de matar crianças — diz ele.
Para a psicóloga Laura França, do Grupo Prontobaby, a enfermeira parece ter um perfil sociopata.
— Sociopatas atuam sutilmente e, ao não serem notados, vão ousando cada vez mais, como uma forma de mostrar seu poder ao não serem pegos. A cada atitude, eles são mais ousados, com a possibilidade de chegarem a atos fatais. A sociopatia é uma condição limítrofe entre a loucura e a razão. Não é um louco, mas alguém que sabe de suas atitudes e, por ser egocentrado, só pensa em fazer o que lhe convém e dá prazer — avalia.
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FOTOS SORRIDENTES E TRABALHOS VOLUNTÁRIOS
Em dez anos de carreira, Simone Anjos dos Santos trabalhou em pelo menos três hospitais antes de chegar ao Real D’Or. Dois são da rede municipal, na Zona Oeste do Rio: o Albert Schweitzer, em Realengo, e o Pedro II, de Santa Cruz. Um é particular: o Neovida, de Duque de Caxias.
Ela também fez trabalhos voluntários. Há indícios de que um deles tenha sido no Hemorio, o centro de excelência em hematologia e hemoterapia do governo do estado. Em seu perfil no Facebook, desativado ontem à noite, Simone dizia que trabalhou no local. Mas nem a Secretaria estadual de Saúde nem funcionários confirmam que ela atuou ali.
Nas redes sociais, Simone aparecia em várias fotos sorrindo, com amigos e parentes, entre eles um sobrinho. Havia também fotos com companheiros de trabalho, em confraternizações durante plantões em hospitais. Em janeiro, foi ela quem fez vaquinha para ajudar no pagamento de enterro do parente de um colega. Segundo a delegada Juliana Emerique, funcionários do hospital, ao saberem que ela é acusada de tentativa de homicídio, ficaram estarrecidos.
— As colegas disseram que nunca perceberam nada. Ela jamais havia demonstrado comportamento estranho.
Ao ser presa na casa onde morava com o pai, Simone, segundo a polícia, reagiu com frieza.
Link original | Bruno Alfano, Giselle Ouchanna e Simone Candida para Jornal O Globo |